sexta-feira, 10 de abril de 2009

Sem Ti (r) - capítulo XIV

Pago os cafés e saio para a rua. Vejo ao longe o senhor João que voltava do mercado com um saco na mão. Dirijo-me a ele. Recebe-me como sempre com um sorriso, mas desta vez não retribuo.
- Mas você pensa que anda a gozar comigo? Viu-me ou não me viu com a Inês ontem à tarde?
- Do que estás a falar António?
- Dos três cafés que tive que pagar! Da prova em como estive com outra pessoa ontem a tarde naquela mesa onde me sento sempre.
O seu semblante fica carregado e denotando cansaço na voz diz-me:
- Temos que falar, vem até minha casa.
Sigo-o em silêncio. Subimos ao segundo andar do prédio em que situava o café e sento-me num sofá antigo na saleta que muito provavelmente era utilizada como escritório. Não tem muitos livros nas estantes. São mais os papéis empilhados, os arquivos mortos com facturações e balanços que propriamente romances ou ensaios. Também, o que seria de esperar de um velho comerciante que tinha feito a sua vida à base de números? Vidas matemáticas raramente dão lugar às letras e quando o dão são letras cruas, semi mortas, desprovidas de qualquer sentido sentimental ou figurado. Há, no entanto, um livro que me desperta a atenção, aliás, por detrás encontram-se mais, o autor é sempre o mesmo, Allan Kardec, dentro de um deles, está uma foto do senhor João e de mais duas pessoas junto ao túmulo do autor em Paris. Sinto-me intrigado como é que um vulgar dono de café se pode interessar no ocultismo, mais propriamente no espiritismo.
Volto a pôr o livro no lugar no preciso instante em que o senhor João volta da cozinha e se acerca de mim.
- Senta-te António. De facto, não estiveste sozinho ontem a tarde.
- O que se está a passar? Porque me mentiu?
- Eu não te menti, só queria que te apercebesses da verdade por ti. Não estiveste sozinho, mas também não estiveste acompanhado, ou melhor, só houve um café tirado na máquina.
- Mas que história é essa? Não estou a entender nada…
- Deixei três cafés apontados, precisamente para suscitar a tua curiosidade, mas está na hora de te contar a verdade.
- Acho bem.
- Então é assim, a Inês esteve de facto contigo ontem, mas ela não está mais neste mundo, não está mais no nosso plano. O vosso sentimento prende-a cá e tu precisas de a deixar ir.
- A Inês morreu?
- António… a Inês matou-se…. Fez precisamente ontem sete anos…