quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sem Ti (R) - capítulo VI

Entro no carro e, quando estou prestes a arrancar, o telemóvel toca.

- António, que se passa? A Joana telefonou-me a chorar, sem conseguir articular uma palavra. O que foi que aconteceu?
- A sua filha está grávida D. Cristina.
- O quê? Mas isso é... fantástico. Parabéns meu querido, mas porque chora ela? E, agora não me atende o telefone. Eu vou para aí.
- Venha sim D. Cristina, assim ela aproveita logo para lhe dizer quem é o pai!

Um silêncio sepulcral do outro lado do telefone diz-me que é melhor desligar.
As pessoas passam a vida iludidas que foram os melhores pais, as melhores mães, os melhores filhos, irmãos, mulheres ou amantes, mas quando a realidade lhes bate a porta não sabem como reagir.
Triste, arranco com o carro com destino incerto, curvo já com alguma velocidade e por pouco não atinjo o grupo de cães que ainda não perdera a esperança com a cadela frankenstein. No fim da rua há um semáforo que está vermelho, não abrando, o que poderá acontecer? Depois de um dia assim, nada mais me pode acontecer.
Ontem eu era um simples empregado de mesa, com o seu ordenado mínimo certinho, a sua companheira que mesmo sem amor o ajudava a passar as noites frias e um cesto cheio de recordações guardado numa arrecadação de que perdera a chave. Hoje não sou nada. Um homem traído pela companheira e pela vida a acelerar num rua molhada, de olhos marejados de lágrimas, a tentar fugir ao inevitável.
Travo a fundo porque alguém está na passadeira, o carro desliza e por pouco não atropelo aquela pobre alma que como eu vagueia.
Baixo a cabeça com vergonha. O vulto aproxima-se do carro. Limpo as lágrimas. Só o que me faltava, uma discussão para acabar o dia em cheio.
Faço o vidro deslizar até meio como precaução. Há uma graciosidade nos movimentos do estranho que me é familiar, um jeito que ao se aproximar começo a reconhecer. Sinto o coração parar quando me apercebo de quem é. Tantos anos passados sem uma notícia, sem uma novidade, e num dia só, é a segunda vez que nos encontramos.
Sem dizer nada, faço um gesto para ir à roda e abro-lhe a porta. Ela senta-se e eu sinto-me recuar anos. Aquele cheiro, aquele olhar, aquele sorriso, aquelas mãos.

- Onde queres ir?
- Vamos ao farol.
- Vamos...

Parto em direcção ao cabo sem pressas, como se a correria em que estive tantos anos tivesse deixado de repente de fazer sentido.

13 comentários:

Lize disse...

:) Estou a amar a história... Mas sinto sempre uma tristeza pelo protagonista. Tanta coisa má num dia... Tantas coisas más ao longo da vida amorosa dele... Vamos lá ver se melhora :P


Beijocas

M disse...

Não há como contornar as pequenas surpresas, filhas do destino :)

Ianita disse...

"Depois de um dia assim, nada mais me pode acontecer."

Depois de um dia assim, tudo pode acontecer ainda.

Sininho disse...

Esta ida ao faról promete um torrido momento lol
será, nao será?? o António merece, está na hora dele acordar os sentimentos adormecidos...
lol

Lita disse...

Mais... mais... mais... mais... :)

Patrícia disse...

porque quando tudo corre mal, há lá sempre um raio de sol. mesmo que seja em dias de chuva.

carol disse...

Estou a adorar. Tens imenso talento. Parabéns!

Miepeee disse...

Nao sei porque cheira-me que o farol vai ser testemunha de algo mas nao sei se sera bom ou mau.

Siuxi disse...

Tenho seguido este triângulo em expectante silêncio.
À medida que a história vai desenvolvendo a curiosidade vai aumentando e torna-se viciante.
Adorei esta total desnecessidade de palavras entre o António e a Inês. A intensidade dos sentimentos de cada um adivinha todas as perguntas que procuram resposta.
E não esqueçamos o súbito reaparecimento da cadela Frankeinstien :)

Continua a surpreender.
Bjo

Afrodite disse...

Espero que seja à bruta no farol...para animar a festa :). Faz favor! :)

Abreijinhossss e diverte-te com a pequenita linda

Ana disse...

Bem, estava aqui a pensar no seguinte... o António andava ali a remoer no facto de não amar a Joana. Ou seja, deixou-se estar com ela sem a amar. Isso não é uma traição tão grave como aquela que acha que a Joana lhe fez?...quem é o traidor aqui, afinal?...oh pah, que me desculpem todos, mas eu não estou a sentir pena do antónio :-p

Porque, na verdade, e isto sou eu, não há nada pior que a pessoa que está do nosso lado estar connosco apenas por pena ou comodismo. Prefiro ser traida numa sessão de uma noite do que descobrir que afinal nunca houve amor.

Sunshine disse...

A luz do farol irá iluminar um escaldante momento??

Parece que sim e o António está muito carente ... e a empatia entre ele e a Inês é intensa...

Isto esta cada vez mais interessante ... aguardo ... cenas dos próximo capítulos...

Bom fds (no farol)

Mel disse...

Van, boa, és grande, LOL!